
O assassinato do coordenador da Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) na semana passada descortina o véu da hipocrisia no que se refere ao tratamento concedido a adolescentes que cometem atos infracionais. O simples fato de ser reconhecido por um dos ex-internados na antiga FEBEM foi a causa de mais um assassinato de um pai de família e que ainda deixou ferida uma criança inocente que estava perto do local do crime. A execução é um indicativo de quem, realmente, são as vítimas da sociedade?
A criança tem três anos e foi atingida na cabeça durante os tiros efetuados por dois homens que estavam em uma moto. Ela foi operada e não corre risco de morrer. Sidnei Gonçalves tinha 39 anos e trabalhava há oito anos na instituição. Ele temia ser reconhecido na região que morava e evitava ser visto com familiares para protegê-los. O receio não era infundado. Ele morava em um local vulnerável onde ex-internos da Fundação CASA poderiam reconhecê-lo. Sem porte de armas para autodefesa, ficava na esperança de que nenhum desses adolescentes quisesse se vingar, na pessoa dele, contra o Estado.
Cabe aos agentes dessas instituições, o ônus de disciplinar adolescentes infratores – que em parte considerável dos casos, não tiveram parâmetros e limites na família ou na escola – que cometeram delitos, alguns deles hediondos como estupro, latrocínio e homicídios simples ou qualificado. No Rio de Janeiro, estes profissionais são classificados como agentes de disciplina ou educacional. Impor regras e ordenar a convivência desses adolescentes em ambiente de confinamento durante um período determinado pela Justiça cabe a esses profissionais.
Apesar de ser apenas uma das esferas do conjunto que procura criar mecanismos que possibilitem aos inimputáveis infratores por causa da faixa etária o retorno ao convívio social sem cometer novos crimes, a área de segurança ou disciplina nestas instituições também é imprescindível. Para que as outras áreas como a Psicologia, Educação, Pedagogia, a Assistência Social possam desempenhar as funções de acordo com o que cada setor busca são necessárias ordem e cumprimento de regras. Caso isso não ocorra, o trabalho desses profissionais é inviável. É lógico que também eles próprios devem impor normas e disciplina, mas o uso desse mecanismo de introspecção nos adolescentes para o convívio entre humanos é aplicado de forma mais contundente pelos agentes de disciplina.
Embora muitos adolescentes possam retornar ao convívio social sem cometer novos atos infracionais, outros não conseguem deixar a prática de delitos. Mesmo porque a suposta recuperação com base na “ideologia do re” (re-socializaçao, re-educação, re-integração) com base na política, como aponta Raúl Zaffaroni (2009: 19), de Estado do bem-estar social tem uma dimensão subjetiva. Ainda que outros critérios objetivos sejam alcançados como emprego, estudo e um ambiente familiar mais acolhedor, o jovem também precisa ter a vontade de não praticar novos delitos. Essa esfera íntima é tão relevante ou mais que as outras exteriores.
O raciocínio moral obedece a uma escala que vai da moralidade pré-convencional de uma criança com menos de nove anos, ligado a evitar a punição ou em ganhar uma recompensa, à moralidade pós-convencional onde os princípios éticos são autodefinidos na fase adulta. Segundo Lawrence Kohlberg (1981: 119), a moralidade convencional é típica no início da adolescência, onde o sujeito “respeita as leis e regras sociais simplesmente porque são lei e regras”. Eles são capazes de assumir as perspectivas dos outros e podem aprovar ações que lhes dará aceitação social ou que ajudarão manter a ordem social.
Por outro lado, o jovem tem em seu íntimo um desejo de emancipação. Eduard Spranger (1970: 256) afirma que a busca pelo poder e um impulso ativo criam esse conflito da alma do jovem com a ordem jurídica. São esses adolescentes que se tornam uma ameaça para a sociedade e para os profissionais que trabalham nessas unidades.
É ignorância por parte de grande parte da população e inocência ou hipocrisia de alguns formadores de opinião e tomadores de decisão na gestão pública, acreditar que uma unidade de internação serve apenas para “recuperar” adolescentes que cometeram algum delito. Esta medida socioeducativa também funciona para impedir que o adolescente cometa novos atos infracionais, mesmo que seja por pouco tempo como no caso de adolescentes homicidas.
É importante lembrar que a doutrina de proteção integral em relação à criança e ao adolescente é essencial em um Estado Democrático e de Direito. Esse direito não é apenas dos que cometem delitos e é também e principalmente dos filhos de agentes de disciplina, penitenciários e policiais que ficam órfãos por causa da frieza de assassinos adultos e adolescentes. Neste caso, deve-se frisar que os adolescentes que cometem atos infracionais representam apenas 0,14% dos jovens nesta faixa etária no Brasil, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
O Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro também elaborou um estudo baseado na análise de ocorrências policiais. O Dossiê Criança e Adolescente revelou que no total dos crimes que ocorrem no Estado, apenas 10,6% têm menores envolvidos (MIRANDA, 2007: 12).
Embora, seja a minoria, 20% dos adolescentes internados no País cometeram homicídio ou latrocínio, segundo o último Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo. No Rio de Janeiro, os crimes contra a vida representam os menores números de infrações com menores envolvidos. O tráfico de drogas é o líder na estatística. Em 2006, 1002 apreensões ocorreram por causa da venda de drogas e 809 casos foram registrados no ano anterior (MIRANDA, 2007: 40). Já os homicídios praticados pelos inimputáveis etariamente, foram 65 casos em 2005 e 53 no ano seguinte.
O número não é pequeno quando analisamos a possibilidade de parte deles voltarem às ruas para cometer os mesmos delitos. É o cidadão comum e os profissionais que com ele trabalham que correm riscos de serem vítimas dessa visão míope e inconseqüente de quem determina as leis e políticas para esta área, e que por sua vez vivem em áreas privilegiadas no que tange à segurança familiar.
Por isso, o ônus de disciplinar adolescentes deve ser compensado. O bônus do porte de arma para esses profissionais possibilitaria ao menos a condição de se defender. O risco desses profissionais é indiscutível e só quem tem interesses incompatíveis com o bem comum não reconhece essa constatação.
Políticas públicas voltadas para o setor também seriam um complemento obrigatório que ajudaria a dar mais segurança a esses profissionais como salários dignos para obter moradia digna e segura; legislação que evidencie o tipo penal de agressão ou atentado contra a vida desses profissionais como agravante ou causa determinante de aumento de pena como acontece em países desenvolvidos; e é lógico, formação, capacitação e qualificação para que esses profissionais selecionados por meio de concurso público conheçam em profundidade o devido papel social que cumprem e como a função executada por eles é imprescindível para o bem-estar social. Essa responsabilidade é do Estado e de quem executa a gestão pública desse setor.
Caso contrário, o medo em decorrência da insegurança de não ter nem o direito de se defender com uma arma de fogo vai estimular profissionais a serem omissos no dever funcional, corruptos ao aproveitar a função estatal para associar-se com adolescentes infratores e não se expor ao perigo ou torturadores ao entender que devem fazer justiça com as próprias mãos já que o Estado não lhes fornece esse “sentimento” de segurança e justiça.
A exposição desta realidade no sistema socioeducativo com o assassinato de Sidnei demonstra a hipocrisia das elites políticas e a alienação de parte da população que se expressa de forma fragmentada. A sociedade faz vítimas, que não são os adolescentes infratores, pois existem muitos – apesar de desprovidos de atenção familiar, condição econômica ou estrutura educacional – que não saem cometendo delitos por aí.
As verdadeiras vítimas são, além de agentes do Estado que morrem por cumprir o papel social que lhe foi delegado, as pessoas inocentes que perdem a vida nas mãos desses adolescentes que têm consciência, sim, dos atos que praticam e das conseqüências dessa prática. Casos recentes como do menino João Hélio, Liana Friendbach, Felipe Caffé e agora do Sidnei, entre outros, deveria servir para uma reflexão mais sincera e pragmática da segurança do cidadão de bem, em vez da retórica vazia e inconseqüente da “ideologia do re” que não é efetiva em muitos casos, como desse (s) ex-interno (s) da Fundação CASA envolvidos na execução do coordenador.
A criança tem três anos e foi atingida na cabeça durante os tiros efetuados por dois homens que estavam em uma moto. Ela foi operada e não corre risco de morrer. Sidnei Gonçalves tinha 39 anos e trabalhava há oito anos na instituição. Ele temia ser reconhecido na região que morava e evitava ser visto com familiares para protegê-los. O receio não era infundado. Ele morava em um local vulnerável onde ex-internos da Fundação CASA poderiam reconhecê-lo. Sem porte de armas para autodefesa, ficava na esperança de que nenhum desses adolescentes quisesse se vingar, na pessoa dele, contra o Estado.
Cabe aos agentes dessas instituições, o ônus de disciplinar adolescentes infratores – que em parte considerável dos casos, não tiveram parâmetros e limites na família ou na escola – que cometeram delitos, alguns deles hediondos como estupro, latrocínio e homicídios simples ou qualificado. No Rio de Janeiro, estes profissionais são classificados como agentes de disciplina ou educacional. Impor regras e ordenar a convivência desses adolescentes em ambiente de confinamento durante um período determinado pela Justiça cabe a esses profissionais.
Apesar de ser apenas uma das esferas do conjunto que procura criar mecanismos que possibilitem aos inimputáveis infratores por causa da faixa etária o retorno ao convívio social sem cometer novos crimes, a área de segurança ou disciplina nestas instituições também é imprescindível. Para que as outras áreas como a Psicologia, Educação, Pedagogia, a Assistência Social possam desempenhar as funções de acordo com o que cada setor busca são necessárias ordem e cumprimento de regras. Caso isso não ocorra, o trabalho desses profissionais é inviável. É lógico que também eles próprios devem impor normas e disciplina, mas o uso desse mecanismo de introspecção nos adolescentes para o convívio entre humanos é aplicado de forma mais contundente pelos agentes de disciplina.
Embora muitos adolescentes possam retornar ao convívio social sem cometer novos atos infracionais, outros não conseguem deixar a prática de delitos. Mesmo porque a suposta recuperação com base na “ideologia do re” (re-socializaçao, re-educação, re-integração) com base na política, como aponta Raúl Zaffaroni (2009: 19), de Estado do bem-estar social tem uma dimensão subjetiva. Ainda que outros critérios objetivos sejam alcançados como emprego, estudo e um ambiente familiar mais acolhedor, o jovem também precisa ter a vontade de não praticar novos delitos. Essa esfera íntima é tão relevante ou mais que as outras exteriores.
O raciocínio moral obedece a uma escala que vai da moralidade pré-convencional de uma criança com menos de nove anos, ligado a evitar a punição ou em ganhar uma recompensa, à moralidade pós-convencional onde os princípios éticos são autodefinidos na fase adulta. Segundo Lawrence Kohlberg (1981: 119), a moralidade convencional é típica no início da adolescência, onde o sujeito “respeita as leis e regras sociais simplesmente porque são lei e regras”. Eles são capazes de assumir as perspectivas dos outros e podem aprovar ações que lhes dará aceitação social ou que ajudarão manter a ordem social.
Por outro lado, o jovem tem em seu íntimo um desejo de emancipação. Eduard Spranger (1970: 256) afirma que a busca pelo poder e um impulso ativo criam esse conflito da alma do jovem com a ordem jurídica. São esses adolescentes que se tornam uma ameaça para a sociedade e para os profissionais que trabalham nessas unidades.
É ignorância por parte de grande parte da população e inocência ou hipocrisia de alguns formadores de opinião e tomadores de decisão na gestão pública, acreditar que uma unidade de internação serve apenas para “recuperar” adolescentes que cometeram algum delito. Esta medida socioeducativa também funciona para impedir que o adolescente cometa novos atos infracionais, mesmo que seja por pouco tempo como no caso de adolescentes homicidas.
É importante lembrar que a doutrina de proteção integral em relação à criança e ao adolescente é essencial em um Estado Democrático e de Direito. Esse direito não é apenas dos que cometem delitos e é também e principalmente dos filhos de agentes de disciplina, penitenciários e policiais que ficam órfãos por causa da frieza de assassinos adultos e adolescentes. Neste caso, deve-se frisar que os adolescentes que cometem atos infracionais representam apenas 0,14% dos jovens nesta faixa etária no Brasil, segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
O Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro também elaborou um estudo baseado na análise de ocorrências policiais. O Dossiê Criança e Adolescente revelou que no total dos crimes que ocorrem no Estado, apenas 10,6% têm menores envolvidos (MIRANDA, 2007: 12).
Embora, seja a minoria, 20% dos adolescentes internados no País cometeram homicídio ou latrocínio, segundo o último Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo. No Rio de Janeiro, os crimes contra a vida representam os menores números de infrações com menores envolvidos. O tráfico de drogas é o líder na estatística. Em 2006, 1002 apreensões ocorreram por causa da venda de drogas e 809 casos foram registrados no ano anterior (MIRANDA, 2007: 40). Já os homicídios praticados pelos inimputáveis etariamente, foram 65 casos em 2005 e 53 no ano seguinte.
O número não é pequeno quando analisamos a possibilidade de parte deles voltarem às ruas para cometer os mesmos delitos. É o cidadão comum e os profissionais que com ele trabalham que correm riscos de serem vítimas dessa visão míope e inconseqüente de quem determina as leis e políticas para esta área, e que por sua vez vivem em áreas privilegiadas no que tange à segurança familiar.
Por isso, o ônus de disciplinar adolescentes deve ser compensado. O bônus do porte de arma para esses profissionais possibilitaria ao menos a condição de se defender. O risco desses profissionais é indiscutível e só quem tem interesses incompatíveis com o bem comum não reconhece essa constatação.
Políticas públicas voltadas para o setor também seriam um complemento obrigatório que ajudaria a dar mais segurança a esses profissionais como salários dignos para obter moradia digna e segura; legislação que evidencie o tipo penal de agressão ou atentado contra a vida desses profissionais como agravante ou causa determinante de aumento de pena como acontece em países desenvolvidos; e é lógico, formação, capacitação e qualificação para que esses profissionais selecionados por meio de concurso público conheçam em profundidade o devido papel social que cumprem e como a função executada por eles é imprescindível para o bem-estar social. Essa responsabilidade é do Estado e de quem executa a gestão pública desse setor.
Caso contrário, o medo em decorrência da insegurança de não ter nem o direito de se defender com uma arma de fogo vai estimular profissionais a serem omissos no dever funcional, corruptos ao aproveitar a função estatal para associar-se com adolescentes infratores e não se expor ao perigo ou torturadores ao entender que devem fazer justiça com as próprias mãos já que o Estado não lhes fornece esse “sentimento” de segurança e justiça.
A exposição desta realidade no sistema socioeducativo com o assassinato de Sidnei demonstra a hipocrisia das elites políticas e a alienação de parte da população que se expressa de forma fragmentada. A sociedade faz vítimas, que não são os adolescentes infratores, pois existem muitos – apesar de desprovidos de atenção familiar, condição econômica ou estrutura educacional – que não saem cometendo delitos por aí.
As verdadeiras vítimas são, além de agentes do Estado que morrem por cumprir o papel social que lhe foi delegado, as pessoas inocentes que perdem a vida nas mãos desses adolescentes que têm consciência, sim, dos atos que praticam e das conseqüências dessa prática. Casos recentes como do menino João Hélio, Liana Friendbach, Felipe Caffé e agora do Sidnei, entre outros, deveria servir para uma reflexão mais sincera e pragmática da segurança do cidadão de bem, em vez da retórica vazia e inconseqüente da “ideologia do re” que não é efetiva em muitos casos, como desse (s) ex-interno (s) da Fundação CASA envolvidos na execução do coordenador.
Por Anderson Sanchez - Assessor de imprensa do Sindicato dos Servidores do Degase, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UNESA, pós-graduando em Gestão Penitenciária pela UERJ e MBA em Gestão de Organizações de Segurança Pública pelo IUPERJ. Voluntário do BSG
Fonte:www.brasilsemgrades.org.br
Fonte:www.brasilsemgrades.org.br
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