Apenas três em cada dez cidades mineiras têm condições de aplicar medidas socioeducativas em regime aberto
Renato Fonseca* - Repórter
Foto:Frederico Haikal/"Sem assistência, o adolescente infrator de hoje será o ciminoso de amanhã", diz promotora
Renato Fonseca* - Repórter
Foto:Frederico Haikal/"Sem assistência, o adolescente infrator de hoje será o ciminoso de amanhã", diz promotora
Eles têm idade para estudar e jogar bola, mas o a prendizado acontece na periferia e seus brinquedos são armas de fogo. Jovens que trocaram a escola pelo mundo do crime ficam impunes em Minas Gerais, revela relatório elaborado pelo Ministério Público Estadual (MPE). Em cada dez cidades mineiras, apenas três têm plenas condições de aplicar medidas socioeducativas em regime aberto.
“Sem assistência, o adolescente infrator de hoje será o criminoso de amanhã”, aponta a promotora Andrea Carelli. Nos últimos seis meses, a responsável pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude de Minas Gerais (CAO/IJ) coordenou farta documentação que comprova a incapacidade das prefeituras mineiras de aplicar as punições previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A lacuna é facilmente preenchida pelo tráfico de drogas, assaltos e até homicídios. Segundo Andrea Carelli, se as medidas fossem aplicadas desde a implantação do ECA, em 1990, o sistema carcerário não estaria superlotado como hoje. “Quem está preso em penitenciária é porque não sofreu nenhuma sanção quando adolescente. Os presídios continuam aumentando porque não estamos fechando a torneira”, afirma.
As palavras da promotora remetem ao caso de B., de 21 anos. Os delitos cometidos durante toda a adolescência não impediram que ele passasse despercebido pelas políticas públicas de recuperação de jovens infratores da capital. Aos 14 anos, já era usuário e traficante de drogas. Assaltos também engrossavam sua “ficha suja”. Nunca passou por nenhum programa de recuperação e a probabilidade de permanecer no mundo do crime se confirmou.
segue a rotina de uso e comercialização de maconha praticamente todos os dias. A mesma convicção com que se defende ao jurar que largou as pedras de crack, praticamente inexiste quando é questionado sobre furtos e assaltos. Ele não trabalha e alega fazer bicos para sobreviver. Mora com o pai e o irmão, em um aglomerado da Região Oeste de BH. “Nunca tive ajuda de ninguém quando era moleque. A vida é difícil para todos, mas alguns sofrem um pouco mais”, diz.
Considerada uma resposta do Estado ao adolescente infrator, a medida socioeducativa tem o objetivo de promover a reinserção do jovem na sociedade. A punição vai desde uma advertência verbal até a internação em centros de recuperação. As principais punições previstas no ECA são a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA). A primeira é baseada na realização de tarefas gratuitas de interesse geral. Já na outra, o adolescente recebe orientação de um psicólogo ou assistente social.
O juiz auxiliar da Vara da Infância e da Juventude de BH, Carlos Frederico da Silva, é taxativo. Para ele, falta vontade política para implementar as medidas. “Qualquer município tem plenas condições de executar programas de recuperação junto aos adolescentes que cometem algum delito. A reeducação é muito barata e, quando feita de maneira correta, alcança resultados satisfatórios”, avalia Silva, que é diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Associação dos Magistrados (Amagis) em Minas.
Vulnerabilidade social aumenta risco
Os atos infracionais estão diretamente relacionados com a situação de vulnerabilidade social vivida pela família do adolescente. Na visão de psicólogos, o fato de os pais terem baixa renda e passar grande parte do dia longe de seus filhos contribui para que esses meninos e meninas se entreguem à marginalidade, mesmo que seja como uma espécie de “escudo” para adultos criminosos escaparem das punições previstas na lei.
Segundo a psicóloga Ana Carolina Cordeiro, especialista em tratamento infantil, além da fragilidade dos vínculos familiares, outros fatores, como a baixa escolaridade, interferem nas chances de o adolescente se envolver em delitos. “Esses jovens, em mais de 80% dos casos, convivem com um cotidiano de extrema violência social. Eles moram em comunidades pobres, muitas vezes largam a escola e não têm a presença dos pais em sua educação”, avalia a psicóloga.
O último levantamento divulgado pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA) aponta que quase a metade das famílias dos jovens infratores de Belo Horizonte tem renda de um até dois salários mínimos. A média de idade varia entre 15 e 17 anos e os meninos lideram, com folga, as ocorrências (85%).
Sem vagas, juízes mineiros soltam jovens infratores
Para cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), juízes das varas da Infância e Juventude de Minas Gerais são obrigados a liberar jovens infratores. Alguns ficam apenas cinco dias detidos, como prevê o ECA, e se neste prazo não for possível conseguir uma vaga em algum centro especializado, eles são soltos. Na maioria dos casos, são entregues diretamente aos pais.
A Região Sul do Estado é o maior exemplo da incapacidade do poder público. A falta de centros de recuperação para infratores obriga a Justiça a entregar os jovens diretamente aos responsáveis. Nos casos mais graves, como homicídios, o adolescente apreendido é levado para cadeias. Conforme o Hoje em Dia mostrou em janeiro, nos últimos três anos, 30 jovens morreram sob responsabilidade do poder público em Minas Gerais. Destes, pelo menos 18 foram assassinados enquanto estavam encarcerados ilegalmente em presídios.
De acordo com o Ministério Público (MP) de Pouso Alegre, cerca de dez adolescentes suspeitos de cometer infrações graves estão detidos no presídio da cidade. Juízes e promotores se queixam que não há outra alternativa. Segundo a Promotoria, quando um jovem é levado para a cadeia local, já é feito um pedido de transferência para um centro de internação. O problema é que essa mudança pode demorar muito para sair do papel.
No mutirão carcerário realizado no ano passado, foi constatado que 86 menores estavam apreendidos em cadeias de Minas Gerais, e cerca de 40 deles em unidades prisionais do Sul de Minas, ou seja, metade. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que um centro de medidas socioeducativas deverá ser construído em Lavras. O prédio deve ficar pronto no ano que vem. A obra está orçada em R$ 11 milhões e a previsão é de que seja iniciada no segundo semestre deste ano.
Regime aberto é ideal
A recolocação do adolescente infrator na sociedade é o maior desafio do poder público. Apontada como a melhor alternativa, a medida socioeducativa em regime aberto é também a mais barata. Conforme o Poder Judiciário, o jovem atendido pela Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) ou Liberdade Assistida (PL) custa aos cofres municipais, em média, R$ 600. Já o gasto com aquele que é internado chega a ser até cinco vezes maior.
Apesar do regime aberto ser considerado o mais ideal, existem casos em que a internação é a única solução. No entanto, Minas Gerais carece de centros de recuperação. São apenas 19 para atender todo o Estado. Regiões como o Sul de Minas, Noroeste e Vale do Aço não contam com o serviço.
No Vale do Aço, a falta de um centro de internação trava as punições aos infratores. A implantação do serviço é uma promessa que parece estar próxima. A construção será erguida em Santana do Paraíso. Segundo o vice-presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ipatinga, Leonardo Oliveira, 26 jovens chegaram a ficar detidos juntamente com outros criminosos da região, em 2010.
Já em Barbacena, no Campo das Vertentes, a criação de um centro de triagem foi a solução para garantir a internação de adolescentes infratores que cometeram crimes violentos. A casa adaptada para recebê-los funciona no Centro da cidade e é mantida com recursos da prefeitura. Um policial faz a guarda do local, que abrigava apenas um adolescente até a última sexta.
Assembleia Legislativa promete fiscalização
O levantamento feito pelo Ministério Público Estadual (MPE) sobre a ineficiência das prefeituras para cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) chamou a atenção dos deputados mineiros. A Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) pretende acompanhar de perto a implantação, pelos municípios, das medidas socioeducativas previstas na legislação.
Ofícios serão enviados à Associação Mineira dos Municípios (AMM) e à Associação dos 34 Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Granbel) para que sejam incentivados debates e iniciativas sobre a necessidade dos programas de recuperação previstos no ECA, em particular a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA). O mesmo ofício deverá solicitar, também, que entidades ligadas ao tema, como a Frente dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas, participem dos projetos e debates sobre a situação.
O subsecretário de Atendimento às Medidas Socioeducativas da Secretaria de Defesa Social (Seds), Ronaldo Araújo Pedron, salienta a evolução do Estado na questão das medidas socioeducativas. Ele lembra que o Governo de Minas tem uma linha de financiamento para os projetos de recuperação, mas que é preciso ser feito um diagnóstico dos municípios para se avaliar a necessidade de cada um.
Pedron reforça que cabe às prefeituras executar as medidas. “O Estado tem que apoiar, fomentar e capacitar os municípios”, diz. Segundo ele, 20 cidades participam da linha de financiamento estadual e outras 88 de uma federal, que liberam recursos para a implantação das medidas socioeducativas.
Ainda segundo Pedron, o Governo estadual trabalha com a perspectiva de que, nos próximos três anos, 45% das cidades mineiras tenham a PSC e a LA totalmente implementadas. “Este é um problema nacional, comum em vários estados. Ainda temos que avançar, mas é preciso reconhecer que muito foi feito em prol da recuperação destes adolescentes”, acrescenta.
Exemplos positivos comprovam que é possível aplicar as medidas socioeducativas em Minas. Em Governador Valadares, no Leste do Estado, 274 adolescentes cumprem medidas socioeducativas em meio aberto. Em Belo Horizonte, o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH) é outra receita que deu certo.
(*) Com Margarida Hallacoc, do Sul de Minas; Ricardo Beghini, da Zona da Mata; Janaína Oliveira, do Vale do Aço; e Ana Lúcia Gonçalves, do Leste de Minas.
Fonte:http://www.hojeemdia.com.br
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