Por Luiz Cláudio Cunha
Especial para o Sul21
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Em sigilo, começou esta semana a autópsia da ditadura brasileira. Durante 16
horas de depoimento em Vitória, ES, ao longo de segunda (28) e terça-feira (29),
o ex-delegado do DOPS Cláudio Antônio Guerra e o ex-sargento do DOI-CODI Marival
Chaves Dias do Canto falaram pela primeira vez e formalmente ao Ministério
Público Federal, na presença da coordenadora da Comissão Memória, Verdade e
Justiça da Câmara de Deputados, deputada Luiza Erundina de Souza (PSB-SP).
Uma força tarefa de cinco procuradores do MP de quatro Estados (SP, RJ, MG e
ES) foi enviada discretamente à capital capixaba pela subprocuradora geral da
República, Raquel Elias Ferreira Dodge, para a inédita oitiva dos dois únicos
agentes da repressão brasileira que ousaram testemunhar e confessar os abusos e
crime praticados nos porões da ditadura. O depoimento de Guerra e Marival
acontece apenas doze dias após a instalação oficial pela presidente Dilma
Rousseff da Comissão Nacional da Verdade, ainda enrolada na discussão
burocrática de seu regimento de trabalho.
Ninguém da imprensa teve acesso ou soube dos depoimentos em Vitória. Uma
equipe da TV Câmara, que acompanhava Erundina e o deputado federal Jean Wyllys
(PSOL-RJ), membro da Comissão Memória, Verdade e Justiça, não teve permissão dos
procuradores para presenciar o ato. Uma equipe da própria Procuradoria Geral da
República gravou os dois depoimentos na íntegra.
O ex-delegado Guerra, autor do livro recém-lançado Memórias de Uma Guerra
Suja, em depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, falou
durante 12 horas — nove horas na segunda-feira, entre as 9h e as 18h, e outras
três horas na manhã seguinte, respondendo a uma bateria de perguntas dos
procuradores. Na tarde de terça-feira, entre as 14h e as 18h, o ex-sargento
Marival deu o seu testemunho, o primeiro que faz desde a histórica entrevista
que concedeu em novembro de 1992 ao repórter Expedito Filho, da
revista Veja.
No livro, o delegado do DOPS admite que matou com disparos à queima roupa,
envolveu-se em atentados como o Riocentro e coordenou a incineração de corpos de
presos políticos no forno de uma usina de açúcar em Campos, interior fluminense.
Na revista, o sargento do DOI confirma, na frase dura que ilustra a reportagem
de capa: “Eles matavam e esquartejavam”.
“É a primeira vez que o Estado brasileiro ouve formalmente os seus
depoimentos”, observou o procurador Sérgio Gardenghi Suiama, que acompanhou o
histórico evento na sede do Ministério Público Federal em Vitória, na companhia
dos procuradores Antônio Cabral, Ivan Cláudio Marx, Silmara Goulart e Paulo
Augusto Guaresqui. Os dois agentes da repressão falaram longamente sobre o que
viveram e viram, apontando nomes e locais que servirão para instruir os três
procedimentos criminais já abertos no MP.
Guerra, apesar de se sentir ameaçado por ex-colegas que serviram à rede do
DOPS, DOI-CODI e SNI, dispensou a sua inclusão no Programa de Proteção a
Testemunhas, instituído em 1998 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do
Ministério da Justiça. Apesar disso, a deputada Erundina, como coordenadora da
Comissão Memória, Verdade e Justiça, formalizou ali mesmo, em Vitória, um pedido
ao procurador da República em Campos dos Goytacazes, RJ, Eduardo Santos de
Oliveira. “O depoente encontra-se sob frágil proteção policial executada pela PM
do Espírito Santo”, ressaltou Erundina no ofício de terça-feira, 29, solicitando
a cobertura da Polícia Federal ao ex-delegado.
“O Estado brasileiro, a partir desse ato formal perante o MP, é o responsável
pela segurança pessoal de Guerra e de Marival e pela preservação dos locais e
endereços onde foram praticados os crimes de tortura, morte e desaparecimento
forçado”, observou Luiza Erundina, animada com as revelações detalhadas e as
novas pistas oferecidas.
A deputada da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça espera, agora,
que outras pessoas se inspirem no exemplo dos dois agentes da ditadura, contando
o que viram e sabem sobre os porões da repressão. “Guerra e Marival provam que
podemos e devemos buscar e revelar a verdade, por mais terrível que ela seja. A
verdade está aí, basta ter vontade e coragem para ir atrás dela”.
Foto: Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS | Foto: Reprodução
/ Topbooks / iG
Luiz Cláudio Cunha é jornalista
(cunha.luizclaudio@gmail.com)
(cunha.luizclaudio@gmail.com)
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